Autobiografia

O ato de contar:

   Não é difícil perceber que contar histórias é algo que fazemos naturalmente todos os dias: quando falamos sobre o que fizemos nas últimas horas, quando nos lembramos de uma notícia, quando tentamos explicar as causas ou efeitos deste ou daquele evento. Todas estas ações referem-se à mesma coisa: à atividade de, simplesmente, dizer como uma determinada situação foi mudando, ou seja, contar o que aconteceu num determinado período de tempo e num determinado ambiente.

   Uma frase tão simples como: "Um homem abriu a porta e entrou." já é uma pequena história. Alguém (um homem) estava perante uma porta fechada. Quando a abriu, a porta deixou de estar fechada, criando, assim, uma mudança mínima no mundo. A esta seguiu-se outra: um homem atravessou a porta e entrou noutro lugar, diferente de onde ele estava (houve uma mudança de espaço).

   Não sabemos absolutamente mais nada - quem entrou, onde, porquê, quando - mas não importa: com que apenas ocorra uma mudança no ambiente do mundo de que nos falam, já estamos no reino das histórias.

   É claro que as histórias que contamos no quotidiano são mais complexas e extensas que esta simples frase. Um verdadeiro desafio será contar aqui uma história intima e prolongada - a minha história de vida. 


O início:

   Já que isto vai ser a minha história de vida, eu serei claramente a protagonista. Porém, o início vai ser focado na minha família.

   A minha mãe tinha apenas 6 anos quando saiu de Portugal com a família e foi viver para Portugal.

   A primeira gravidez da minha mãe foi uma surpresa, durante o namoro com o pai. Nessa altura, a minha mãe tinha acabado de terminar a faculdade e de tirar o curso que queria - contabilidade. Enfim, eu não fui planeada.

   A gravidez não lhe permitiu arranjar trabalho naquele momento, mas ela aproveitou para ganhar dinheiro a trabalhar para os seus pais na pastelaria da família.

   A verdade é que a minha mãe nunca gostou de não fazer nada. Ela é uma mulher trabalhadora e que nunca está disposta a parar. A pastelaria fechava sempre aos fins de semana e a minha mãe trabalhou até sexta feira, dia 25 de abril e eu nasci na segunda feira seguinte, dia 28. Mesmo com uma barriga enorme e pesada, ela não parava.

   Eu também facilitava o trabalho! A minha mãe contou-me que eu só me mexia à noite quando ela chegava a casa e se deitava para descansar.

   Nessa segunda-feira, por volta das 2 da manhã, a minha mãe estava com vómitos e diarreia e, pouco depois, começaram as contrações frequentes e mais fortes. Isto tudo enquanto ela estava sozinha em casa, porque o meu pai trabalhava noutra cidade. A pior parte foi que o hospital da cruz vermelha só abria às 8 e 30 da manhã e ela teve de se aguentar. As outras duas opções eram pagar muito dinheiro para ir a um hospital privado ou dar à luz num hospital público sem condições.

   Às 9 e 28 da manhã nasci (horário da Venezuela), mas foi preciso o médico meter-se em cima da minha mãe a apertar-lhe a barriga para eu sair. Foi um parto muito complicado.

   Para adicionar mais stress ao momento, eu não chorei no início. O médico bateu-me e eu não reagi. Levaram-me para outra divisão e a minha mãe não parava de chorar, estava em pânico.

   Esse dia foi demais para a minha mãe, mas agora ela consegue gozar com o momento em que eu comecei a chorar! Ela conta que os enfermeiros lhe disseram que me tinham de levar para outro hospital com mais aparelhos para me conseguirem examinar melhor e poderem descartar qualquer anormalidade. Foi nesse instante que comecei a chorar. Minutos depois das palmadinhas, só chorei ao ouvir que me iriam afastar da minha mãe. É claro que isto é uma pequena piada, mas foi real.

   No início, não queria mamar porque a minha mãe tinha os bicos mamários planos, por isso estava sempre com fome e não conseguia dormir. Isto tudo desenrolou-lhe uma depressão pós-parto, que posteriormente foi devidamente tratada.

   Depois acostumei-me ao tipo de peito da minha mãe, mas continuava a preferir o biberão (ou o dedo do pé). Assim, comecei a comer e a dormir melhor.

   A minha mãe, por segurança e conforto, mudou-se e foi viver com os seus pais e irmão, após o meu nascimento.

   Nestas imagens estou com a minha avó e o meu tio. Eles adoravam ficar a tomar conta de mim. Infelizmente, não encontrei fotos com o meu avô.


Bebé na Venezuela:

   Eu era uma bebé sossegada e dorminhoca. A minha mãe, quando tinha os peitos cheios e já doloridos, acordava-me. Aliás, se ela não me acordasse, eu não comia.

   Para perceberem o quão eu era dorminhoca e tinha o sono pesado, vou vos contar uma história engraçada. Tinha eu uns 6 meses de idade quando aconteceu esta história. Meteram-me a dormir na cama do meu tio e, com medo de que eu caísse, meteram-me muitas almofadas à minha volta, como faziam sempre. Passado um bocado foram ver se estava tudo bem comigo e não me viram na cama e entraram todos em pânico. Eu tinha caído da cama, mas antes disso empurrei as almofadas. E lá estava eu, no chão, a dormir em cima das almofadas, que nem uma rainha!

   Nestas fotos podemos ver eu e o meu tio na cama dele, cheia de almofadas.

   Antes que as roupas me deixassem de servir, a minha mãe passava uma manhã inteira a vestir-me todas as roupas que tinha e a tirar-me fotos.

   Isto foi só no inicio, depois ela passou a marcar sessões com fotógrafos para eu exibir as minhas capacidades como modelo. 

   Enquanto a minha mãe trabalhava, eu andava pela pastelaria num andarilho e assim aprendi a caminhar.

   Andava sempre de trás para a frente e ia buscar tudo o que a pastelaria tivesse que fosse comestível. Tinha preferência na massa crua, principalmente a massa folhada e a massa das arepas (farinha de milho). 

    A pastelaria tinha uma enorme janela e sempre que eu via uma criança a passar ficava muito feliz porque queria também sair à rua e conviver com ela. Na verdade, as vezes fugia e ia ter com o cão do vizinho da frente. Eu adoro cães!

   Aqui estou eu e o meu pai à porta da pastelaria. Era naquela casa branca e azul que se encontrava o cão.

   Nós tinhamos dois caniches, a Lolli (mãe) e a Candy (filha). A Candy deu à luz pouco tempo depois de eu nascer. Estava sempre a correr e a brincar com os bebés. Foram todos adotados, mas a mãe e a avó deles ainda vieram connosco para Portugal e viveram uns bons anos connosco. 

   Existiam 4 coisas que me deixavam louca: cães, feijão preto, queijo e o parque.

   Feijão preto? Bem, é melhor explicar as circunstâncias.

   Arepas é um dos pratos tradicionais da Venezuela. Serve de alimento a qualquer hora, para qualquer refeição e podemos colocar lá dentro tudo o que entendermos.

   Enquanto os meus pais comiam arepas ao pequeno almoço, eu preferia comer só feijão preto, "caraotas" em espanhol. O mesmo acontecia ao almoço, lanche e jantar. Não havia momento em que olhassem para mim e me vissem com a cara limpinha. Eu estava sempre pretita e porquita na boca, toda suja de feijão preto. 

   Agora falemos do meu amor por queijo.

   Basicamente eu ia sempre comprar produtos com a minha avó para a pastelaria. Uma vez comecei a pedir "queto" que era estefanês para "queso", queijo em espanhol. Desde esse momento, sempre que aparecia lá, sentava-me ao balcão e os trabalhadores já sabiam que eu queria um prato cheio de queijo.

   Infelizemente, não tenho fotos desses momentos porque usar uma câmara fotográfica (ou qualquer outro tipo de tecnologia) nunca foi o ponto forte da minha avó.

   A verdade é que umas das minhas primeiras palavras foram "queto" e "paque".

   Tínhamos um parque ao lado do estacionamento do nosso prédio. Eu não podia chegar ou sair do apartamento sem ir lá.

   Quando não estava a comer feijão preto ou queijo, nem estava no parque ou a brincar com os cães, estava a tocar bateria ou tambor. Naquela altura não tinha jeito nenhum, como é óbvio, mas a mim soava-me bem!

   O meu tio (irmão da minha mãe) tinha uma banda e ele era o baterista. Os ensaios eram maioritariamente na nossa casa, por isso eu ia regularmente interromper-los.

   Outro dos meus passatempos favoritos era sair com a família. Antigamente, na Venezuela, todas as pessoas eram muito livres e apreciadoras da Natureza. É completamente diferente o ambiente e o povo de um país latino e de um europeu.

   A minha família aproveitava sempre os fins de semana para ir passear e apreciar as atrações naturais daquele país tropical.

   Ir a uma piscina num dia com muito calor (isso era todos os dias, na verdade) era bom, mas fazer longas viagens para ir à praia...que saudades daquelas águas quentinhas!  

   Um facto interessante sobre mim: adoro tomar banho de água fria. Num país tão quente como este é normal, mas mesmo Portugal continuo a apreciar um bom banho com água fria, durante os dias ensolarados de verão. 

   A família do meu pai possui várias quintas e campos enormes. Só a irmã do meu pai tem cinquenta e um cães espalhados pela quinta e treinados para a protegerem! Vou vos mostrar uma pequena amostra das propriedades da minha família, com estas fotos do meu pai. 

   Eu adorava ir para lá brincar com os animais. Andei pela primeira vez a cavalo com 10 meses e depois disso não queria outra coisa. Aventurava-me a tudo e não temia nada!

   Na maior parte das vezes, a minha vida na Venezuela era uma "vida de campo", mas também iamos à cidade.

   Regularmente iamos a centros comerciais, tanto para comer qualquer coisa, como para comprar alguma roupa, ou para ir buscar materiais necessários.

   A melhor parte, na minha opinião, era quando ia andar nas diversões. Adorava ir com o meu pai porque ele deixava-me sempre divertir-me, e também adorava ir com a minha prima Fabiola para brincarmos juntas.

   Quando completei um ano de vida não tive nenhuma festa porque a minha família estava sempre a adiar o dia para ver se o meu pai conseguia vir. Acabou por não ser festejado o meu primeiro aniversário.

   O meu pai era professor universitário noutra cidade. Sempre que ele ia embora, eu chorava e pedia para ir com ele. Devido a isso, o meu pai começou a descer o prédio comigo e a deixar-me no parque a brincar para eu não desconfiar de que ele ia embora.

   Até hoje, a minha mãe gosta de se divertir a fazer pinhatas. 

   Como não teve de se preocupar com a minha primeira festa de anos, teve muito tempo para preparar a da minha prima. Vou vos mostrar a enorme pinhata que ela fez para essa festa porque estou muito orgulhosa dela...Que trabalho fantástico!

Pinhatas não eram as únicas coisas que eu gostava de "esmagar"! Também torturava o computador dos meus pais, a câmera fotográfica e desarrumava tuda a casa.

   Uns meses depois, quando eu já tinha um ano e meio, os meus avós foram de férias e a minha mãe teve de ficar comigo sozinha. O trabalho não a deixava com tempo suficiente para cuidar de mim sozinha, então tive de ir para uma ama. Passava o dia todo lá porque a minha mãe estava encarregue da pastelaria e por isso só me podia ir buscar ao fim da tarde. Estes longos períodos longe da minha mãe fizeram com que eu parasse de mamar.

   Quando entrei na ama, de útil só sabia pedir água. A minha mãe contou-me que fazia troça de mim dizendo que ao menos não morria de sede!

   Era a mais nova no meio de outras seis crianças, mas eram todas muito brincalhonas e integraram-me logo. A minha ama ainda me fazia penteados diferentes, todos os dias. Como não adorar aquilo lá?

   No meu segundo aniversário tive direito a duas festas, para compensar o ano anterior. Uma delas foi na ama e a outra foi com toda a família . Ambas tiveram bolos semelhantes, feitos pelo meu avô na sua pastelaria.

   É claro que outra coisa que tinham de ter em comum era, sem dúvida, uma pinhata, feitas pela minha mãe.

   Nestas fotos podemos me ver, no início, a destruir a pinhata da Hello Kitty. Depois eu a brincar com os meus 6 colegas e, por fim, todos a cantarmos os parabéns (é claro que o bolo também era da Hello Kitty). A última imagem é uma foto minha e da minha ama. Observem o penteado fenomenal que me tinha feito no meu dia de anos!

   Na festa com a minha família tínhamos o Burguer King só para nós, o que foi ótimo visto que a família do meu pai é enorme e naquela altura estava toda na Venezuela, ao contrário da família da minha mãe. Tenho muitos primos da minha idade do lado paterno, o que era espetacular para conviver.

   Esta outra vez da Hello Kitty foi incrível... Tinhamos o parque do Burguer King só para nós e ainda tivemos direito a uma aula de dança!

   O mais engraçado foi que enquanto brincava estava com uma roupa mais confortável, mas para soprar as belas já estava com um vestido, toda vaidosa.

   Por mais incrível que a minha vida na Venezuela estivesse a ser, tivemos de sair de lá.

   Fui assaltada duas vezes enquanto ia com a minha mãe na rua. Isto soa muito grave, mas é bastante comum na Venezuela. Não é um país seguro para criar uma criança.

   Por exemplo, anos antes de eu nascer, assaltaram brutalmente a pastelaria dos meus avós. Alvejaram um tio meu que estava lá a trabalhar na caixa, mesmo depois de ele lhes entregar o dinheiro todo. O meu avô também estava lá, mas sobreviveu porque se escondeu no frigorífico, depois de chamar a polícia. Foi um dia muito violento e que ficará para sempre marcado na minha família.

   Uma das regras principais de sobrevivência é ter sempre as janelas e portas do carro fechadas ao parar no semáforo. Se não cumprirem com isso, estão feitos.

   O melhor amigo do irmão da minha mãe foi sequestrado junto com a família e estiveram desaparecidos durante duas semanas.

   Estas situações marcantes foram os principais motivos de termos fugido daquele lindo país, quando eu tinha dois anos e dois meses.


Recomeço em Portugal:

   A escolha mais óbvia era voltar para Portugal. Voltar às origens. Os meus avós também já tinham saudades da tranquilidade e paz que existe em Portugal.

   A verdade é que a minha família antes vivia em Oliveira do Bairro, mas adoravam ir à praia da Barra passar um bom dia. Agora imaginem viver lá pertinho!

   Uns 5 anos antes de eu nascer, a minha avó fez um investimento e comprou um prédio na Gafanha da Nazaré. Foi nem mais nem menos por causa disso que viemos para esta cidade tão bonita.

   Estava, então, tudo pronto. Chegou a hora de dizer "adeus" à Venezuela.

Apesar de termos partido de madrugada, nada me impediu de ir ao parque uma última vez.

A viagem de avião foi muito longa, mas fez-se bem.

Para além da mala de viagem, ainda trouxe uma malinha vazia, só mesmo para aparecer cheia de estilo nas fotos.

   A primeira coisa que fizemos ao chegar a Portugal foi batizar-me. A minha família da Austrália veio toda para ver este evento.

   História engraçada: durante o meu batizado, acenderam uma vela (hábito católico) e eu comecei a cantar os parabéns em espanhol, no meio da igreja.

   No dia seguinte fomos todos a Aveiro dar umas voltas. Aconteceu outro momento muito engraçado que é lembrado em todos os jantares de família. Estávamos todos dentro do carro na fila para entrar no parque de estacionamento do Jumbo, quando eu me levanto toda empolgada e falo: "Por ali calalo!". Estava a apontar para a saída do parque de estacionamento, que obviamente não tinha fila... tão inocente.

   Este momento já não é relembrado nos jantares, mas eu lembro-me dele perfeitamente até hoje. Nesse mesmo dia, havia uma diversão com trampolins no Jumbo e eu queria ir lá brincar, mas haviam muitas coisas para fazer e não me deixaram ir. Eu fiz uma birra enorme e o meu pai bateu me com o dedo indicador e o do meio na minha perna. Parei de chorar nesse momento, perdi o fôlego. Desde esse dia que nunca mais desrespeitei o meu pai. Foi a primeira e a única vez que o meu pai me bateu, e digo-vos que foi suficiente. Levei muita porradinha bem merecida ao longo do meu crescimento, mas nenhuma me marcou como estes dois dedos do meu pai.

   Dias depois, aproveitando que estávamos todos reunidos, fomos fazer umas mini férias com o resto da família da Austrália.

   Fomos à Nazaré ver a formidável praia e passear.

   Na primeira foto podemos ver a família toda na Nazaré, na segunda estou com o meu tio da Austrália e o meu avô e nas duas últimas estava a brincar com a minha prima australiana.

   Uma semana depois, os australianos regressaram ao seu país e as férias acabaram. A minha mãe foi a primeira a começar a trabalhar, porque, como já referi anteriormente, ela não gosta de estar parada. Foi trabalhar para uma padaria na avenida. Embora os meus pais tenham concluído o seu curso universitário na Venezuela, cá em Portugal eles não valorizam a aprendizagem  de lá, pois são distintas. Devido a isto, a minha mãe não arranjou trabalho relacionado com contabilidade.

   Enquanto ela trabalhava na padaria, o meu pai andava de comboio todos os dias porque queria conhecer o país. Até foi a Espanha ter com uns amigos e tudo, isto porque a minha mãe tinha nacionalidade portuguesa mas o meu pai não, então não tinha bilhete de identidade nem os papéis necessários para poder trabalhar na Europa.

   Os meus avós entretanto começaram também a trabalhar, por isso tive de entrar numa ama.

   Chorava muito porque não sabia falar bem como os outros meninos, a mudança de língua deixou-me gaga durante um tempo.

   Aqui estão os meus amigos na casa da minha ama, a festejar o meu terceiro aniversário.

   Uma tia minha meteu-me na natação com dois anos e meio, apesar de só ser permitido entrar com três anos. Ela tinha muitos contactos! Na realidade, ela era muito amiga de uma das professoras de lá e então aprendi a nadar muito nova. Tinha muito jeito e adorava aquilo.

   Um tempo depois, tive de sair da natação porque tinha ganhado umas borbulhas estranhas na pele. O médico disse que se tratava de um vírus na água da piscina e aconselhou parar. Foi isso mesmo que fiz.

   Só voltei a praticar natação aos 5 anos, porque ia todas as semanas às piscinas municipais de Ílhavo com o infantário.

   Aqui temos dois vídeo de Youtube que o meu pai gravou. O meu pai, sempre que tinhamos um tempo livre, levava-me às piscinas públicas. Passava-mos lá a manhã toda. Ele também adora nadar e então adorava ter a companhia da filha. Ele ajudou-me muito na minha aprendizagem.

   Algum tempo depois, o meu pai voltou para a Venezuela, para passar o Natal. Decidiu ficar por lá e arranjar trabalho. Perguntou à minha mãe se não queria voltar para a Venezuela e ela não aceitou.

   O meu pai disse-lhe que não ia deixar o seu país de novo e recusou-se a regressar a Portugal.

   Entretanto, a melhor amiga da minha avó encontrou-se com o meu pai algures na Venezuela e reclamou com ele, pois sabia de toda a situação. Ela disse-lhe: "Imagina uma balança. Agora põe num dos pratos dinheiro e trabalho e no outro a tua mulher e filha e vê o que pesa mais.". Estas palavras tocaram-lhe, então ele decidiu ligar para a minha mãe. Durante a conversa com a minha mãe, ele ouviu-me no fundo a rir e pediu para que ela me passasse o telemóvel. Mal percebi que era o meu pai disse-lhe: "Pai, há tanto tempo que não te vejo!". Foi esta frase que fez o meu pai verdadeiramente mudar de ideias e voltar para Portugal.

   Dias depois, ele apareceu de surpresa no nosso prédio. Até tocou à campainha da vizinha para entrar sem que ninguém soubesse. O problema foi que eu estava na casa da minha vizinha. Estraguei-lhe a surpresa!

   Quando percebi que o meu pai estava lá em baixo gritei: "Papiiiiii!". A minha avó, que estava na frutaria do outro lado da estrada, ouviu o meu grito de felicidade.

   Dois anos se tinham passado desde que nos mudámos para Portugal e a situação do meu pai ainda não tinha sido tratada. Após algumas pesquisas, os meus pais chegaram à conclusão que seria mais fácil e rápido tratar dos documentos do meu pai em Espanha, então, quando eu tinha por volta de 4 anos, fiquei sozinha com os meus avós em Portugal, enquanto os meus pais resolviam a situação.

   Quando chegaram a Espanha, a minha mãe começou por ter dois empregos, durante o dia trabalhava numa peixaria e durante a noite na Pizza Hut, porque o meu pai não tinha os documentos para trabalhar. Nessa altura ela teve de fazer sacrifícios.

   Tempo depois, graças a uns contactos, ambos conseguiram trabalho num restaurante. Tiveram de mudar de cidade, mas era a única opção. Ficaram lá a trabalhar até tratarem de tudo o que tinham para fazer.

   Durante isto tudo, eu fiquei com os meus avós em Portugal. A minha avó trabalhava no campo em Fermentelos e eu tinha de ir muitas vezes com ela para lá. Passar o dia no campo era engraçado, eu divertia-me. O pior era mesmo ter de ir até fermentelos quase todos os dias.

   Sempre tive problemas em fazer grandes viagens. Não podia comer nem beber antes de ir porque, se o fizesse, vomitava pelo caminho.

   Também passei muito tempo com a minha madrinha. Ela vinha-me buscar e ia para casa dela passar uns dias. Também iamos passear para um parque e divertiamo-nos. 

   Ela adorava arrajar-me e tirar-me fotos!

   Quando os meus pais foram para Espanha, eles deixaram-me primeiro na casa de uma amiga deles. Já era habitual ela ficar a tomar conta de mim, às vezes. Assim, enquanto eu estava na casa dela a brincar, os meus pais foram embora, tudo para que eu não os visse a ir embora.

   Quando cheguei a casa, chorava imenso e rebolava no chão bastante triste. Não parava de perguntar aos meus avós: "Porque é que os deixaram ir embora? Porque é que me tiraram de casa hoje?".

   Durante todos aqueles meses, os meus pais nem me podiam ligar porque eu chorava logo.

   O meu avô uma vez passou-se e ligou-lhes. Disse-lhes que deviam vir buscar-me porque eu era a filha deles, era responsabilidade deles e não dos meus avós. Senti-me abandonada...

Estefany Vasconcelos | © 2021
Psicologia B
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